Deleite-se com o talento e a sensibilidade do jornalista:
Só no ano 2000 ou um dia eu apareço
Só no ano 2000 ou um dia eu apareço
Achava que o ano 2000 não chegaria. Distante, enigmático. E, se chegasse, havia a possibilidade de o mundo se acabar. Por fogo, água inundando tudo ou exterminado por causa da tão aguardada III Grande Guerra Mundial. Na escola, numa daquelas segundas-feiras chatas pela manhã, a discussão entre os pré-universitários era uma reportagem do Fantástico (o show da vida!) sobre a profecia de um misterioso Nostradamus. Arco, flecha e o fim.
Do basculante da sala de receber, se viam os dias dos anos 70 correrem num fusquinha café-com-leite. Quente, fedido de gasolina cara. Combustível comprado no mocó, porque as bombas estavam proibidas a partir da sexta-feira à meia-noite, no sábado e domingos-família. Em preto e branco e racionamento general.
No ano 2000, não haveria assim. Seria em cores, dentro de uma nave espacial dos Jetsons movida à casca de banana de fazer voar e soltar fumaça de doce Real. Por enquanto, ainda andávamos Flinstones. Empurrando o fusca para pegar no tranco e quase sempre pifar em frente ao portão do colégio. De mangar de quem não tinha um Corcel (azul caixão de anjo) zero bala.
Mas era uma questão de tempo. No futuro, 30 anos prafrentex, seríamos outros. Aprovados no vestibular da Medicina, acadêmicos do Direito ou concursados do Banco do Brasil ou do Instituto Rio Branco. Finalmente testar o inglês. O ano 2000, se não acabasse com os mundinhos, prometia.
Só no ano 2000 seríamos, finalmente, felizes. Casa com bidê, banheiro com descarga em vez de balde e chuveiro grosso no lugar da bacia de alumínio. O guarda-roupa viria embutido numa parede de algum conjunto residencial do Bradesco. Piso no taco. Garagem, área de guardar o Opala (Opala?), grama, pé de jambo lilás, jardim de inverno suspenso próximo à mesa de almoçar e periquitos australianos (verdes e amarelos) trilando.
Quem se formasse, tardaria, iria adquirir até uma linha telefônica e não perturbaria mais o vizinho nas horas mais incômodas. Notícias de Bergson? Não. Bem... Compraria uma enceradeira, um Mido e um filtro ozonizado que ficaria acoplado à torneira da cozinha azulejada...
Queria que 2000 rebentasse logo, mesmo com medo dos boatos sobre o derradeiro. De se imaginar encerrado, mutemo, censurado. Mas fez assim, se juntou com alguns bons amigos (flor da idade) e foi protestar após o vestibular. Fez carreira, levou bordoada, foi preso, torturado, solto, mas não se aquietou. Era novo demais para não apostar.
Não iria esperar pelo ano 2000. Mesmo correndo o risco de desviver, foi guerrilhar. Por ele, por Tânia fraterna, contra o fim do mundo... Num 1972, Luíza sobressaltou-se do nada. “Desviveram meu filho”. Choro.
E foi. Não viu o 2000 virar nem soube que ainda se torce por uma espetacular III Guerra.
Do basculante da sala de receber, se viam os dias dos anos 70 correrem num fusquinha café-com-leite. Quente, fedido de gasolina cara. Combustível comprado no mocó, porque as bombas estavam proibidas a partir da sexta-feira à meia-noite, no sábado e domingos-família. Em preto e branco e racionamento general.
No ano 2000, não haveria assim. Seria em cores, dentro de uma nave espacial dos Jetsons movida à casca de banana de fazer voar e soltar fumaça de doce Real. Por enquanto, ainda andávamos Flinstones. Empurrando o fusca para pegar no tranco e quase sempre pifar em frente ao portão do colégio. De mangar de quem não tinha um Corcel (azul caixão de anjo) zero bala.
Mas era uma questão de tempo. No futuro, 30 anos prafrentex, seríamos outros. Aprovados no vestibular da Medicina, acadêmicos do Direito ou concursados do Banco do Brasil ou do Instituto Rio Branco. Finalmente testar o inglês. O ano 2000, se não acabasse com os mundinhos, prometia.
Só no ano 2000 seríamos, finalmente, felizes. Casa com bidê, banheiro com descarga em vez de balde e chuveiro grosso no lugar da bacia de alumínio. O guarda-roupa viria embutido numa parede de algum conjunto residencial do Bradesco. Piso no taco. Garagem, área de guardar o Opala (Opala?), grama, pé de jambo lilás, jardim de inverno suspenso próximo à mesa de almoçar e periquitos australianos (verdes e amarelos) trilando.
Quem se formasse, tardaria, iria adquirir até uma linha telefônica e não perturbaria mais o vizinho nas horas mais incômodas. Notícias de Bergson? Não. Bem... Compraria uma enceradeira, um Mido e um filtro ozonizado que ficaria acoplado à torneira da cozinha azulejada...
Queria que 2000 rebentasse logo, mesmo com medo dos boatos sobre o derradeiro. De se imaginar encerrado, mutemo, censurado. Mas fez assim, se juntou com alguns bons amigos (flor da idade) e foi protestar após o vestibular. Fez carreira, levou bordoada, foi preso, torturado, solto, mas não se aquietou. Era novo demais para não apostar.
Não iria esperar pelo ano 2000. Mesmo correndo o risco de desviver, foi guerrilhar. Por ele, por Tânia fraterna, contra o fim do mundo... Num 1972, Luíza sobressaltou-se do nada. “Desviveram meu filho”. Choro.
E foi. Não viu o 2000 virar nem soube que ainda se torce por uma espetacular III Guerra.
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