Todas a mães desse mundo sintam-se homenageadas por mim e através desse artigo da Helena Lutéscia dedicado à Dona Luiza Gurjão, uma mãe especialíssima. Não citarei ninguém por aquele risco da injustiça de não citar alguém, mas todas sintam-se Luiza. Um beijo a cada uma.
Luiza Gurjão
Por Helena Lutéscia
Se eu tivesse que homenagear uma mãe neste ano escolheria Luíza Gurjão Farias, mãe de Bergson e de Iélnia Gurjão Farias, seus filhos mais conhecidos. Queria que estivesse viva, mas faleceu no dia 21 de fevereiro próximo passado, aos 95 anos, quatro meses depois de receber e sepultar os restos mortais do filho desaparecido na Guerrilha do Araguaia.
Dona Luíza, como a chamávamos, não foi uma mulher de Atenas, nem cabia no modelo da mãe revolucionária de Gorki, dizia sempre “eu preferia que ele estivesse aqui,”... e, nos últimos tempos, com o reconhecimento e as honras recebidas pelo filho por seu heroísmo, passou a acrescentar com ar triste e resignado: “pois é, mas ele acreditava nessas coisas, morreu lutando por isso”.
Durante muitos anos alimentou a esperança de que Bergson estivesse vivo, mesmo com a publicação de depoimentos de outros guerrilheiros que viram o seu corpo crivado de balas pelo Exército. Às vezes dizia, raivosa, “..será que ele fez igual ao Zé Dirceu, mudou de cara e está por aí com mulher e filhos, sem dar um alô pra gente?”...depois se arrependia e completava ...“não, ele era um menino muito carinhoso, amava demais a família, não ia ter coragem de fazer isso”...
Dona Luíza não desistia, não acreditava nas informações vazadas pelo Exército ...“eles podem estar mentindo, já mentiram tanto, fizeram tanta crueldade, podem até estar com ele preso em algum cafundó e ninguém sabe”...Sonhava quase diariamente com o filho, às vezes confundia sonho e realidade...”ontem eu vi um homem grandão virando uma esquina, tinha as costas largas, o cabelo liso, será que era o Bergson?"... Depois que o marido faleceu, ela brincava “agora os dois estão lá no céu, juntinhos, cantando com o Noel Rosa e eu aqui ainda procurando pelo Bergson, deviam mandar um recado, um sinal pra eu ir encontrar com eles..”.
Luíza era uma mulher feliz, bem casada, mãe carinhosa, acolhia os amigos dos filhos com a mesma generosidade que tinha para com os seus e isso significava vários pratos a mais na mesa, gente pra dormir, garrafas de café, caronas na Kombi do seu Géssiner, discussões políticas acaloradas, noites de estudo de Química na copa, MPB rodando na vitrola sem parar...
Na saída pras passeatas dizia. “Géssiner, diz pra esses meninos terem cuidado!...eles não me escutam!... Olhem!, quando a polícia vier por um lado vocês vão por outro, corram, corram...depois voltem pra suas casas, vão dar notícia às mães de vocês.. .elas estão todas preocupadas, mãe sofre...”.
Quando provaram que os ossos encontrados eram do Bergson, Luíza pôde chorar a sua morte, junto com o restante da família, como é direito de todo ser humano. No funeral, de vestido novo, tinha o semblante aliviado, quase feliz, mas, comentou, olhando para a urna com os ossos do filho: “Que coisa esquisita, levam um homem tão grandalhão e devolvem em um caixão tão pequeno!...”
Helena Lutéscia é Professora da UFC e escritora.
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