domingo, 21 de março de 2010

Cabras da peste

Durante os quatro dias que circulei pelo Cariri cearense também escutei muita prosa boa. Duas delas ilustram um pouco da fé e da cultura do homem sertanejo, afilhado do Padim Ciço.

Opinião do Padim é que vale

No início do Século XX quem celebrava, batizava, casava e dava muitas ordens no Cariri era o Padre Cícero Romão Batista e sua influência chegava a situações extremas. O avô de um amigo meu que mora em Potengi resolveu casar e foi ao Padim perguntar se ele aprovava aquela decisão. O santo popular não fez nenhuma objeção, o cabra voltou pra sua cidade e anunciou a aprovação. Perguntado o que faria se o padre não tivesse concordado com o casório não vacilou: "Eu ia prum lado e ela pro outro, cada qual ia caçar um ente que tivesse a aprovação do meu padim".

Detalhe relevante: o Padre Cícero não conhecia, nunca havia visto e nunca viu o casal.


Genro macho

Um vaqueiro apaixonou-se por uma moça bonita, mas num tinha aprovação do pai da donzela. A paixão foi mais forte e os dois apaixonados decidiram se casar de qualquer jeito. Invocado com o atrevimento do cabra que tinha roubado o "feito mal" à sua filha o cidadão botou um jagunço pra encontrar o sujeito onde ele tivesse e lhe desse uma surra boa, "pra aprender a respeitar as famílias de bem".

O encontro num demorou nem um dia mas quem levou uma surra foi o jagunço que voltou pro patrão amarrado na cela do cavalo e com o recado pra que deixasse o casal no sossego dele. Admirado com a valentia do sujeito atrevido o sogro mandou o jagunço voltar com um recado:

- Um cabra valente desse jeito tem direito de ser meu genro. Diga a eles que voltem pra casa pra receberem minha benção.

O casal viveu feliz, mas o genro nunca visitou o sogro, apesar desse visitar sempre o casal.

Reforma agrária familiar

Seu Luiz é sogro do neto do avô que foi pedir a benção ao Padre Cícero pra se casar. Numa roda de conversa ele domina completamente a palavra. Numa manhã dessas estávamos tomando um café numa roda de jogadores de palito e ele soltou essa:

- Olhe, quer saber duma coisa? Aqui por essas bandas num tem mais necessidade de fazer reforma agrária, ela já tá feita. Antigamente todo casal num tinha menos que seis filhos, tinha gente que tinha de quinze pra cima. Então, quando o pai morria distribuia as terras dele pra tudo que é filho. Tava feita a reforma agrária.

Taí uma luta que ainda vai exigir muita peleja!

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