Notas de viagem
É março. A passagem do equinócio, ou o dia de um José, pai de uma certo Messias, na fé dos sertanejos, asseveraram que as chuvas continuarão, fartas, copiosas, bom inverno.
O desavisado viajante, que pela primeira vez adentre esses sertões, pejado da visão e dos preconceitos sulinos, vendo essa exuberância de verdes, essa neblina matutina, essa cerração que cobre serrotes e matos, essa neve floral do pau-branco; o desavisado viajante, porventura, dirá que enlouquecemos ou erramos o caminho.
Certamente não são esses os sertões da Irauçuba, zona de desertificação, que as imagens dos jornais e da televisão somente mostram na segunda metade do ano, associadas aos períodos de longas secas.
O sertão tem duas estações, apenas. A estação das chuvas, que chamamos inverno, e a estação do estio, que denominamos verão. Da mesma forma, o sertão conhece apenas duas cores primárias, com inúmeras variações cada.
Estamos na estação das chuvas e do verde. Verde por onde alcance a vista, nas mais diversas tonalidades, apenas quebrado aqui e acolá pelo espelho das águas ou pela flor do pau-branco, a cobrir de uma espécie de neve longos pedaços da caatinga. Afora uma ou outra flor vasqueira, um tapete miúdo entre o rosa e o vermelho.
No mais, o verde que tudo recobre, farto. Farto o sertão, cheios os úberes das vacas alimentadas pela rica babugem, farto de sons de passarinhos, gordos os preás que se aventuram pelas estradas, risonhos e esperançosos os olhos e as peles tostados dos sertanejos. Farto, o sertão, nesta quadra de verde e água.
Adiante, nas entrâncias do junho, vasqueando as chuvas até o desaparecimento total, por longos seis, sete, oito meses, o cinza tomará o lugar do verde.
Quebrarão as suas tonalidades gris a copa verde dos juazeiros e suas teimosas esperanças, ou a majestade rosa do pau-d’arco em junho, ou mais tarde seus irmãos amarelos, lá pelo setembro. No resto, o sertão será cinza, e seco, e triste. Tristes a terra e os bichos e seus aparentados homens. Mas prenhes estes últimos, grávidos de esperança, os olhos fixos no levante, a ler os mínimos sinais de que haverá chuva e bom inverno.
Prenhes de esperança, que esta aqui das coisas mais renitentes.
Depois, tudo renascerá, o mesmo ciclo, rompido apenas pelos raros invernos mais rigorosos, enchentes e açudes levados pelas águas, rastro de destruição, ou pelos mais constantes anos de seca, mais tristes ainda o sertão e suas crias.
Aí será o silêncio, silêncio solar, mormacento.
Por ora, deixemos o desavisado viajante ante a beleza sertaneja das águas e dos verdes de março.
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