Tragédias brasileiras
Meu passado de militância política se distancia. Porém, hoje residindo nos Estados Unidos, tenho momentos de periódico reencontro com o Ceará, e, integrada numa geração participativa, me toca a realidade atual do País. Nessa condição, observo que duas graves tragédias ainda nos rondam, além das muitas outras, geradas pelas desigualdades sociais - contra as quais lutamos intensamente ao longo ditadura que maltratou a sociedade brasileira por 21 anos.
Meu passado de militância política se distancia. Porém, hoje residindo nos Estados Unidos, tenho momentos de periódico reencontro com o Ceará, e, integrada numa geração participativa, me toca a realidade atual do País. Nessa condição, observo que duas graves tragédias ainda nos rondam, além das muitas outras, geradas pelas desigualdades sociais - contra as quais lutamos intensamente ao longo ditadura que maltratou a sociedade brasileira por 21 anos.
Refiro-me, primeiro, à tragédia das prisões, torturas, caçadas e assassinatos que se deram em nome da raivosa doutrina de segurança nacional. Eu mesma, ainda muito jovem, fui sequestrada por dois homens em Parnaíba (PI), conduzida para Recife (PE) e submetida a bárbaras torturas, sem noção do que poderia acontecer comigo.
A segunda tragédia consiste na desumanização dessa memória, na indiferença ou descaso quanto ao destino das vítimas do regime. Inúmeras famílias abaladas pe la barbárie têm sido "reparadas" com indenizações, como se a moeda remisse a luta, o luto e a dor da perda de entes queridos, inúmeros deles "desaparecidos".
Na atual temporada, fui surpreendida pela noticia (JB, 4/4/2009) de que presumidos restos físicos do meu irmão, Bergson Gurjão Farias, executado pelos militares na Guerrilha do Araguaia (abril-1972 a janeiro-1975), estão largados no armário de um anexo do Ministério da Justiça, entre dez esqueletos recolhidos na região em 1991, 1996 e 2001. Hoje, 37 anos após o início do confronto, isso me parece, além de trágico, revoltante.
O governo ainda não agiu para tratar as feridas das famílias enlutadas, mas sabe que há muito está em pauta o clamor pelo enterro digno de seus mortos - um rito da Grécia antiga, onde a um soldado que tombou em combate se rendia sentida homenagem nos solenes funerais.
Bergson foi um bom e bravo filho do povo brasileiro - determinado a doar s ua vida pela conquista da liberdade. Numa emboscada, protegeu seus camaradas. Enfrentou a fúria dos que covardemente o "trucidaram a golpes de baioneta, num dos episódios mais grotescos protagonizado pelos militares: varado de tiros e barbaramente massacrado, seu corpo foi levado para Xambioá e pendurado numa árvore" (JB).
Minha mãe, aos 94 anos, me pergunta (e a Tânia e Gessiner, meus irmãos) quando e como faremos o enterro do nosso terno e inesquecível guerreiro. E isso me instiga a realizar todas as ações necessárias para a viragem desta página infeliz da nossa História, mesmo vivendo num país onde a reação comum é a do espanto quanto aos feitos da ditadura militar brasileira.
Ao governo brasileiro, cabe oferecer firme resposta ao nosso anseio, em harmonia com a ansiedade do nosso povo. E, desse modo, restabelecer os laços e sentimentos de confiança e cooperação, nesta questão crucial, na relação com quem o elegeu.
Ao governo brasileiro, cabe oferecer firme resposta ao nosso anseio, em harmonia com a ansiedade do nosso povo. E, desse modo, restabelecer os laços e sentimentos de confiança e cooperação, nesta questão crucial, na relação com quem o elegeu.
Ielnia Farias Johnson, é farmacêutica, radicada nos EUA, foi líder estudantil da UFC nos anos 1960, irmã de Bergson Gurjão, morto no Araguaia
Um comentário:
Toda família tem o direito de enterrar os seus mortos.
Toda nação tem o dever de cuidar de seus cidadãos.
O Brasil ainda tem muito a escrever sobre sua história recente. Isso significa abrir os arquivos politicos dos ultimos 40 anos.
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