Confesso que acompanhei sem muita profundidade o resgate dos mineiros chilenos e até perdi uma aposta com meu filho Guilherme ao errar a quantidade de trabalhadores soterrados na mina e felizmente resgato. Somente ontem à noite acompanhei o resgate dos últimos e umas entrevistas sobre o episódio. Nem dá pra imaginar o que eles passaram ao longo dos meses, mas é emocionante saber que tão bem se organizaram, que prevaleceu muita solidariedade entre eles e que o homem tem sido capaz de desenvolver uma tecnologia tão avançada como a que os trouxe de volta à luz e ao convívio com seus entes queridos.
Nas entrevistas que assisti ontem me chamaram atenção duas questões. Uma sobre o custo da segurança que faltou aos trabalhadores na hora do acidente. Um engenheiro de minas afirmou que deveria haver mais de uma saída, justamente para permitir uma fuga no caso do desabamento da entrada principal. Aqui vale lembrar o que fazia Virgulino Lampião, ao nunca acampar em local que tivesse apenas uma saída de fuga, para evitar uma emboscada fatal. Pois na única ocasião em que abriu mão de sua regra defensiva, tombou junto com Maria Bonita e seu bando no Raso da Catarina. Corisco, prevenido, escapou e ainda vingou o Capitão. Voltando ao Chile, os mineiros foram vítimas da atitude mesquinha dos milionários donos das minas, que se recusam a adotar medidas de segurança para não elevar muito o preço do minério extraído e perderem competitividade no mercado internacional. Essa é uma regra do capitalismo, reduzir os custos, nem que para isso sacrifiquem vidas, explorem os trabalhadores.
Outras questão que também me chamou atenção foi justamente o custo da operação. Fala-se em 20 milhões de dólares, o que significa que a vida de cada trabalhador custou cerca de 600 mil dólares, uma merreca diante dos lucros vultosos dos patrões. Sebastian Piñera, presidente chileno, se recusou a confirmar o valor dizendo apenas que custou o necessário. Talvez tenha vergonha de admitir que a vida dezenas de trabalhadores valham tão pouco e seja obrigado a se comprometer a exigir mais segurança para os milhares de trabalhadores que se arriscam nas muitas minas do Chile. Vale lembrar que José Piñera, irmão do atual presidente, foi Ministro do Trabalho do ditador Augusto Pinochet e comandou uma reforma trabalhista que precarizou muito o trabalho nas minas chilenas. Agora, depois de ser cobrado por Luis Urzúa, o último mineiro resgatado, para evitar que aquele acidente "nunca mais aconteça", Piñera promete mudar as "condições desumanas" que seu manito impôs aos trabalhadores do seu país. Foi preciso que uma tragédia que comoveu o mundo pairasse sobre o Chile para que o presidente percebesse o sofrimento dos trabalhadores.
Mas ali estava-se diante de um acontecimento plenamente previsível que também serviu para demonstrar ao mundo de que matéria são feitos aqueles mineiros. Veja o que disse o escritor chileno Ariel Dorfman: “A epopéia dos homens que descem às trevas da montanha, separam minerais em meio à escuridão e sofrem um acidente que os deixa a mercê daquela escuridão, é parte do DNA do Chile, uma parte integral da história do meu país. O mundo maravilhou-se com a maneira pela qual os trinta e três mineiros confinados debaixo da terra de San José se organizaram em turnos, criaram uma hierarquia de mando e elaboraram um plano de sobrevivência usando os talentos e recursos acumulados ao longo de uma vida de trabalho tenaz. Eu confesso, em troca, não sentir surpresa alguma. É assim que os trabalhadores chilenos sempre resistiram e sobreviveram aos desafios mais formidáveis". Percebeu? Para o resgate foi usada a mais avançada tecnologia e até um certo improviso, mas a sobrevivência em condições tão difíceis só foi possível porque ali estava uma gente especial, gente que constrói a riqueza humana, da qual participa muito pouco, mas que é movida por um sentimento ilimitado de superação que um dia lhe permitirá tomar os ceús de assalto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário